Queria sonhar para lá das bandas
da serra que me cerca neste matagal de erva seca e espinhos duros. Ouvir o
serpentear em curvas doces o rio que me viu nascer. Jogar-me de olhos fechados
nas mesmas poças onde bebiam sem medo a água que a Estrela me dava.
Desci tantas vezes aquela rua e
tantas outras as subi cansando mas feliz sem um tostão no bolso onde cabia toda
a felicidade do mundo de uma criança do meu tempo.
Lá em baixo enquadrado com a
Câmara Municipal estava a minha “igreja” onde todos os dias olhava pelos vidros
da vitrina, as grandes* e as pequenas, aguardando sempre o Domingo o dia mágico,
que com um pouco de sorte poderia provar lentamente milímetro a milímetro o doce
de ovos evolvido numa massa crocante de ponta negra de açúcar.
O relógio do meu bolso
encontrava-se lá no alto na torre do “sapateiro” onde uma buzina todos os
domingos religiosamente anunciava as doze horas, porque nesse tempo o povo
trabalhava no campo. Nos restantes dias as luzes dos candeeiros da praça
davam-nos a boa nova…. hora de jantar. E assim foi durante muito tempo, sim
nesse tempo o tempo andava muito devagar.
Chegava a casa e minha tia com ar
de “inspectora” verificava as calças, sapatos e os botões não fosse eu ter
perdido alguns no jogo do “casino” na parede da Câmara. Ali perto do borralho
um cântaro com um copo de alumínio saciava-me o resto da minha sede.
A comida essa caía compassadamente
vinda do pote de ferro que junto a chaminé, baforava de vez enquanto uma lufadas
de vapor indicando que tudo fervia. Muitas vezes a sopa surpreendia-nos com
bocados de chouriço, entremeada, feijão, couve e massa devorávamos dois discos
e de barriga cheia caía num colchão de penas onde todo eu desaparecia.
Sim sonhava, porque naquele tempo
os sonhos eram a minha paixão.
* Espigas doces
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