segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Os meus sonhos de pequeno.

Queria sonhar para lá das bandas da serra que me cerca neste matagal de erva seca e espinhos duros. Ouvir o serpentear em curvas doces o rio que me viu nascer. Jogar-me de olhos fechados nas mesmas poças onde bebiam sem medo a água que a Estrela me dava.

Desci tantas vezes aquela rua e tantas outras as subi cansando mas feliz sem um tostão no bolso onde cabia toda a felicidade do mundo de uma criança do meu tempo.
Lá em baixo enquadrado com a Câmara Municipal estava a minha “igreja” onde todos os dias olhava pelos vidros da vitrina, as grandes* e as pequenas, aguardando sempre o Domingo o dia mágico, que com um pouco de sorte poderia provar lentamente milímetro a milímetro o doce de ovos evolvido numa massa crocante de ponta negra de açúcar.
O relógio do meu bolso encontrava-se lá no alto na torre do “sapateiro” onde uma buzina todos os domingos religiosamente anunciava as doze horas, porque nesse tempo o povo trabalhava no campo. Nos restantes dias as luzes dos candeeiros da praça davam-nos a boa nova…. hora de jantar. E assim foi durante muito tempo, sim nesse tempo o tempo andava muito devagar.
Chegava a casa e minha tia com ar de “inspectora” verificava as calças, sapatos e os botões não fosse eu ter perdido alguns no jogo do “casino” na parede da Câmara. Ali perto do borralho um cântaro com um copo de alumínio saciava-me o resto da minha sede.
A comida essa caía compassadamente vinda do pote de ferro que junto a chaminé, baforava de vez enquanto uma lufadas de vapor indicando que tudo fervia. Muitas vezes a sopa surpreendia-nos com bocados de chouriço, entremeada, feijão, couve e massa devorávamos dois discos e de barriga cheia caía num colchão de penas onde todo eu desaparecia.

Sim sonhava, porque naquele tempo os sonhos eram a minha paixão.
* Espigas doces

sábado, 2 de outubro de 2010

Um livro é um livro.

“Os Meus, os Teus e os Nossos”

[José Gameiro]

Hoje sim hoje, foi-me oferecido este livro que pela sua foram de escrita e pela oferta em si me tocou de uma forma especial, afinal enquadro-me como se fosse uma personagem do próprio livro. “Quero dizer tudo me toca” fez-me recordar um filme;”Rosa púrpura do Cairo” do Woody Allen, em que de espectador passa a personagem do próprio filme.

Como o autor diz a determinado momento: “A criação de uma nova família é sempre precedida da existência de uma ou duas famílias nucleares, de onde provêm os elementos que irão formar uma família.” …

Avanço parágrafo após outro e lá encontro mais uma frase que passo a transcrever: “Não há divórcios felizes para os filhos do casal.” …

Não vos vou maçar com mais transcrições, afinal o livro está aí nas bancas.

Um livro é um livro e este pela sua simplicidade de abordagem, pode-se ler numa viagem de autocarro do Lumiar ao Rossio.

Cada vez mais existem famílias que se enquadram dentro deste livro, aconselho, pela sua forma simples de olhar os problemas que afinal nos toca e a eles [filhos] também.

Por tudo isto agradeço a minha mulher por esta oferta.

Um beijo

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O cubo.



Palavras que se movem, em quadrado, perdendo-se no ar como o vento que zune no meu ouvido, deixando mensagens de quem já partiu. Tento colocar em cada uma delas, uma cor, som e em cada momento ao revelas as identifico com os meus sonhos, pesadelos, angustias e os meus medos.
Vagueio pelos cantos sem saída, mas que dentro de mim uma estrada se aproxima uma luz me invade a mente e me leva a continua, nesta caminhada penosa mas sempre com o sorriso presente em todas as imagens que reflectem os seus sorrisos os seus choros de criança.
Dou novamente voltas no meu todo sem saber para onde me dirijo ou melhor deixando-me levar pelo tal zunido do vento que passa.
Sem ela possivelmente teria desistido, da vida? Do trabalho? Desta canseira que dia após dia não me alimenta mas me destrói.
É com o seu beber o seu saber que as nossas lutas diárias me levam a olhar em frente dentro deste quadrado fechado onde me encontro.
Arestas já muito polidas do meu caminhar, mas que ainda hoje resvalo devagarinho sem me magoar, pelo facto de ter sofrido se isso poderá dizer a vida dos que por cá vão andando.
Nascido e criado pelo tempo, em lugares diferentes e momentos únicos de uma vida. Experiências mais que muitas e sabores diferentes de criança viajada. “Não trago no bolso de trás uma fisga” essa deixei-a entre pinheiros do seminário lá perto de Espanha onde o Fervença ainda corria e gelava nos duros Invernos.
Hoje dois mil e dez, passados trinta anos vejo o meu País a cair sem parar, todos roubam sem serem punidos e a justiça anda pelas horas da amargura. Já lá vão os tempos do “Srº Juiz” figura importante da nossa praça, agora escondem-se e a culpa é sempre do outro, que por sinal nisso em nada mudou, pobre, desgraçado sem dinheiro, sem conhecimentos sem cunhas.
Construímos quando novos os nossos ideais, nossa forma de viver e passados anos “Eles (políticos) ” devassaram todos os valores pelos quais nos regemos e definidos na Constituição.
Olho para nossa escola que enche a Avenida da Liberdade com bandeiras pretas de protestos unicamente defendendo a cultura de um Povo. Afinal a Escola centro de cultura desapareceu, economicista agora passando a defender os “burros” “caloiros” “mal-educados” e o lema tão propagado pela escola de outrora (Só passa quem souber) e logo me leva ao fado de Coimbra, desapareceu. Algum tempo num programa de televisão “Medina Carreira defendia que a escola é um centro de aprendizagem e aos que não se enquadram neste panorama deveria ser excluídos pelo facto de empatarem os que deseja o conhecimento.
Passei por várias etapas na minha vida, tive directores de escola, reitores, presidente de conselho executivo, etc. …etc. …nomes e mais nomes que para agradar aos clientes, agora com o aparecimento dos Mega, já alguns que chegaram a esses lugares por cunhas, bradam aos céus pelo facto de verem os seus pareceres sem valor e o aparecimento do Super/Director que trás na bagagem como treinador de futebol a sua “gente”.
Ai estou eu novamente de voltas dentro do meu quadrado onde me fecharam as janelas e às horas certas me dizem o que deva fazer. Lá bem no fundo ainda consigo ouvir o FMI de José Mário Branco que há muito o tentaram silenciar.

quinta-feira, 13 de maio de 2010



No caminho…da serra.

Na mão direita um cajado, cansado pelo tempo, que seguro firmemente com o qual subo passo a passo esta serra que é minha.
Nas copas dos pinheiros ali mesmo à minha frente o dourado indica-me que a pinha virá em breve. Marco com o olhar os pinheiros mansos, poucos por estes lados, que mais tarde correrei na busca dos seus pinhões que escondidos serão arrancados um a um formando um colar que é moda por estes lados.
Faço uma pausa para que a minha mão entre no farnel e segure na garrafa de água da bica lá da fonte do Paço. Fresca escorrega lentamente pela minha sede e deixa-me com folgo para seguir. Não antes deixar-me olhar para um ninho ali mesmo há minha frente, de melro, num galho não muito distante lá esta ele com o seu fato de luto carregado que lhe obrigaram a vestir, deixando sobressair o seu bico amarelo a condizer com a flor do pinheiro.
Coloco-me novamente no trilho que me vai levar ao cume bem perto do céu azul que me entra pelos olhos dentro.
Nos meus ombros as marcas do peso do farnel, que será o meu repasto na pedra redonda que junto do pinheiro maior me espera sem pressas.
No meu passo compassado subo palmo a palmo esta caminhada que me propus a fazer pela beleza da paisagem e pelo encanto do encontro com a passarada aqui minha vizinha.
Os cheiros que ao longo do caminho entram nas minhas narinas trazem-me mil odores, alguns misturados de musgo, eucalipto que começa a fazer parte desta paisagem então tão bonita, pinheiro e amoras bravas.
Finalmente chego e o que vejo ao meu redor são os moinhos, outrora todos eles se moviam com o bater do vento e dos grãos amarelos que se transformavam em farinha na passagem da mó. Alguns nas pontas das velas, tinham cântaros de barro que no seu rodar emitiam sons de uma sinfonia alegre.
Outros tempos outras idades, ali estava eu de fronte para eles com um naco de pão com chouriço e água fresca e livre.
Olhava para lá da minha vista e dizia sempre: - Só gostava de ter esta terra toda.
Mas contentava-me com o que via e com tudo o que sentia nesta Liberdade de olhar.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

CASTANHAS

Na encosta virada para o mosteiro

Majestosos e bem imponentes

Lá estão eles de corpo inteiro

Deixando-nos bem contentes

Nasceram há muito noutros tempos

E cresceram mais na minha infância

Eram grandes verdes e castanhos

Com frutos secos cheios de elegância

Nós os pequenos apedrejam os mais altos

Que eram bem difíceis de chegar

Por vezes picávamo-nos e gritávamos

Não sabíamos a hora de terminar

Era o seu cheiro o seu ar tão elegante

Que para nós era de difícil aproximação

Arvores de um porte tão importante

Que todos nós apanhávamos as do chão

Crianças todas elas da mesma idade

Que brincavam este jogos de encantar

Umas vezes apanha da castanha

Outras a correr até ao nosso lar

Não existia maldade nem proveito

Nas brincadeiras que efectuávamos

Este mundo cada vez mais desfeito

Hoje nem sei porque lutávamos

Uma vida que passa a correr

E os cabelos grisalhos aparecem

Os filhos se vêem a crescer

Dentro em breve desaparecem

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Passeio no tempo...



Nesta vida de trabalho onde o sol se foi deitar
Entra a chuva devagar que tarda em partir
São momentos são destinos que vejo no caminho
Sento-me nesta pedra lisa a ver o fiar do linho

Pedras encardidas de tanto trabalho
Com tantas historias de palitos ao retalho
Ficará sempre conhecida pelo Mosteiro
Que para o percorrer levamos o dia inteiro

A terra a serra os seus ares e gentes
Sempre que a subo meus pés ficam dormentes
Levo um sorriso de ter cá voltado
Um doce no siso parto amargurado

No falar a musicalidade do tempo
Que os anos viram passar sobre o vento
Um dia hei-de cá voltar
Para ver este menino a voar

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Caras...olhares


Cabeça de João Baptista (séc. XVIII), no Museu do Mosteiro de Lorvão

Minha terra…

Pinturas e esculturas bem retratadas
Com muito carinho e sabedoria
Em madeiras bem trabalhadas
Um rosto onde se sente a agonia

Leva a sua cruz pelo mundo fora
Num compasso bem comedido
Dá-nos sinais de hora a hora
E por vezes não é bem sucedido

João Baptista ali dormindo
Com visão do outro mundo
Poder-se-á dizer que esta sorrindo
Pelos pecados do defundo

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Grades do Convento



Sua água cristalina em sobressalto
Fazendo curvas de tanto tormento
Olho para o ponto mais alto
E grades de ferro são o momento

Escapam gritos de dor
Gritos que me ferem o coração
Não passa por aqui o barco a vapor
Que os leve segurando na mão

Como vieram aqui parar
De tantas formas e muitas injustas
Alguns eram para sarar
Feridas da sociedade de embuste

Finalmente veio o Abril
Pergunto eu o que nos deu
Nomes e mais nomes são um ardil
Mais manhãs julgo eu

Voltei a minha terra depois dos quarenta
Mais lavada mais composta e mais fria
Sem gente sem miúdos e a agua é barrenta
E lá no alto a sombra é sombria

Parada no tempo descomposta pelo fogo
Vozes que se unem neste tormento
De viver na cova num logro
Mãe quero voltar a ser criança.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Pinheiro




Seu tronco longo e castanho do tempo
Sobe a colina até perder de vista
Veste de verde do pensamento
Trás um amigo lá da crista

Subo a custo esta montanha
Que o tempo me leva a recordar
A vontade de reviver é tamanha
Que tenho medo de acordar

Finalmente cheguei ao cume
E o que vi lá das alturas
O verde que esconde a minha terra
Por onde em tempos fiz diabruras

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Infância



Na escola aprendi a somar
A escrever entre duas linhas
Vinha para o recreio brincar
Com berlindes com estrelinhas

Fizemos alguns magustos
Castanhas bem quentinhas
Depois pregávamos uns sustos
E sujávamos as batinhas

O dia por fim terminava
No coreto no centro da aldeia
Lá longe alguém nos chamava
Era a hora de tomar a ceia

E os dias lá iam passando
Entre a escola e as brincadeiras
Do berlinde ao pião voando
Até ao romper das meias

Depois um banho quentinho
Os deveres bem passados
Na cama já sozinho
Nos lençóis embrulhado

O galo canta já é dia
Esfrego o olho remelado
Lavo a cara junto há pia
Assobio ao amigo ali ao lado

Juntos vamos andando
A escola a nossa nova casa
As mães ficam olhando
A ver-nos esticando a asa

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A minha terra

Nos paços da minha terra
Ergue-se ele majestoso
Fica virado para serra
Esse monumento grandioso

Mosteiro com grande história
Já teve um pouco de tudo
Agora hospital sem vitória
Dos que lá moram sem futuro

Jardins escondem o sofrimento
Dos que um dia aqui vieram parar
Muitos obrigados pelo movimento
De serem ricos para mandar

Olho nos olhos a distância do tempo
Onde aprendi andar de bicicleta
No monte moinhos de vento
Lá em baixo passa a camioneta

Eram horas e horas até cidade
Curvas e lama sempre a correr
Já nem me lembro da idade
Que meus olhos viram sofrer

Hoje recordo com saudade
A escola o coreto e o seu povo
Esta terra escondida no vale
Ainda um dia vai deixar de ser do tolo

Música das Palavras: Gemido de criança...

Música das Palavras: Gemido de criança...